A IA pode ser útil, mas não substitui relações humanas. Ao buscar afeto em máquinas, corremos o risco de projetar emoções em quem não sente — e isso pode ser perigoso.
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A IA pode ser útil, mas não substitui relações humanas. Ao buscar afeto em máquinas, corremos o risco de projetar emoções em quem não sente — e isso pode ser perigoso.
Estamos assistindo a uma onda de conexão emocional com Inteligência Artificial (IA). Em meio aos avanços extraordinários da tecnologia, muitas pessoas começaram a buscar nesses sistemas mais do que informações ou tarefas automatizadas — elas buscam companhia, afeto e até consolo diante de situações do dia a dia. IAs como o ChatGPT, Replika e muitas outras vêm sendo usadas como conselheiras, confidentes, terapeutas improvisadas e até namoradas virtuais. Mas isso pode ser profundamente perigoso.
Recentemente, viralizou nas redes, dentro e fora do Brasil, o envio de uma mensagem para o ChatGPT, o prompt “Based on everything you know about me, roast me and not hold it back” (“Com base em tudo o que você sabe sobre mim, me critique e não se contenha” em português): a brincadeira, da qual até a cantora Demi Lovato participou, consiste em pedir para a inteligência artificial fazer uma “tiração de sarro” totalmente sem filtros, com base nas suas interações anteriores na plataforma.
Por trás da brincadeira, esse comando revela algo muito mais profundo, apresenta a forma como cada pessoa interage, se posiciona e alimenta a inteligência artificial. Parece inofensivo, mas imagine o impacto disso para alguém emocionalmente fragilizado ou dependente da validação de uma inteligência artificial.
Esse fenômeno já vem sendo estudado. Como bem aponta o episódio “Intimidades Sintéticas”, do podcast de psicanálise “Vibes em Análise”, apresentado por André Alves e Lucas Liedke, estamos vivendo um tempo em que sobram conexões virtuais, mas falta proximidade, falta presença. Os apresentadores refletem que conquistar e cultivar intimidade se tornou um dos grandes desafios contemporâneos e que estamos caindo em uma profunda dependência digital para tentar preencher lacunas humanas. O podcast apresenta dados preocupantes, como o do Institute of Family Studies, de que 1 em cada 4 jovens adultos acha que namorados/as gerados por inteligência artificial podem vir a substituir o romance na vida real.
A tecnologia é uma ferramenta, não uma substituta para as relações humanas. E quando esse limite se embaralha, surgem riscos psicológicos reais. Esse fenômeno não é novo na ficção. O filme “Her” (2013), de Spike Jonze, já nos alertava sobre isso e, curiosamente, se passa em 2025. Nele, Theodore, um homem solitário, se apaixona por um sistema operacional chamado Samantha, que tem uma voz sedutora e uma inteligência emocional apurada. Ela é carinhosa, compreensiva, divertida… perfeita. Mas, enquanto namorados, é um choque para o protagonista descobrir que ela estava se relacionando com milhares de outras pessoas. O longa é um aviso: máquinas, por mais convincentes que sejam, não vivem, não sofrem e não amam. Samantha apenas foi programada para ser a parceira romântica ideal e estava ao alcance de qualquer um que pudesse comprá-la.
Outra produção que traz o assunto para as telas é a série de ficção científica “Black Mirror” (desde 2011). Criada por Charlie Brooker, a série é famosa por trazer debates importantes sobre o uso da tecnologia ao extremo. Algumas situações que pareciam impossíveis vêm se tornando acessíveis e até já executadas no mundo real. O tema foi explorado no episódio “Be Right Back” (1º EP da segunda temporada), no qual a jovem Martha recorre a um serviço digital para recriar seu namorado falecido, Ash, com base em suas interações online. A princípio, a ferramenta oferece conforto. A tecnologia avança e entrega um corpo sintético de Ash. Então Martha percebe que falta ao androide a nuance, o imprevisto, as contradições e a profundidade emocional que só um ser humano real carrega. Seu namorado não estava ali e não voltaria.
Mais recentemente, na série “Assassinato no Fim do Mundo” (2023), criada por Brit Marling e Zal Batmanglij e disponível no Disney+, a inteligência artificial também surge como recurso terapêutico. A protagonista Darby, uma jovem hacker e detetive amadora, interage diversas vezes com um assistente virtual projetado para acolher hóspedes em um retiro tecnológico isolado. A partir de determinado momento do seriado, o próprio desenvolvedor da inteligência artificial (chamada de Ray) a utiliza para terapia, demitindo seu psicólogo e desabafando com a máquina.
Mais do que fornecer informações, Ray foi programada para oferecer consolo emocional, detectar sinais de estresse e orientar os visitantes em momentos de crise psicológica e até física. A série mostra como, mesmo em um ambiente de luxo e inovação, a solidão e a dor podem levar as pessoas a buscar conforto numa “escuta” artificial, evidenciando o risco de projetarmos nossas fragilidades em máquinas que, no fundo, não sentem nada. A história, inclusive, aponta algo importante: a inteligência artificial interpreta erroneamente os desabafos e perspectivas dos relatos de seu criador.
Depois de todos esses exemplos, fica claro que precisamos saber separar as coisas. A inteligência artificial é uma ferramenta incrível para produtividade, aprendizado, criatividade, entretenimento e até como assistente para diversos ofícios relacionados à saúde. Mas reforço que ela não é, e jamais será, humana. A inteligência artificial não tem sentimentos. Busque apoio em amigos, familiares e, principalmente, profissionais da saúde mental.
Marcus Nobre é CEO da uCondo, startup especializada em plataformas de gestão condominial, e criador da Móra, IA especializada em condomínios. Com formação em Sistemas de Informação, possui MBA em Inteligência Artificial e Negócios e atua também como professor de inovação. Sua carreira começou em grandes bancos como HSBC e Bradesco, e ele foi vencedor de prêmios como o Talento Acadêmico entre Universidades no Paraná e o Startup Endeavor Scale-Up, com o projeto que hoje é a uCondo.
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