Brasil pode liderar em IA generativa, mas escassez de talento e infraestrutura trava avanço, aponta estudo da ACE Ventures apoiado pela AWS Startups

O estudo ouviu um grupo seleto de doze fundadores, investidores e pesquisadores para entender qualitativamente, de quem está produzindo GenAI no país, quais são as barreiras mais urgentes e o que precisa mudar para que o Brasil deixe de ser apenas consumidor e se torne produtor de inteligência artificial.

Startups brasileiras foram ouvidas para identificar barreiras críticas para o desenvolvimento da inteligência artificial no país: critérios tradicionais de avaliação de VCs também foram apontados 

Ainda é restrito o número de startups brasileiras que vai além da integração de ferramentas prontas e assume o papel de construtoras de tecnologia de base, com modelos próprios, arquiteturas exclusivas e soluções adaptadas à realidade local. E os principais motivos apontados para explicar esse quadro são: a escassez de talentos técnicos, acesso limitado à infraestrutura computacional e os critérios tradicionais de avaliação de Venture Capitals (VCs) brasileiras. 

Isso é o que aponta o  estudo “Construindo IA no Brasil: o mapa dos producers de GenAI”, realizado pela ACE Ventures em parceria com a AWS Startups. O relatório ouviu um grupo seleto de doze fundadores, investidores e pesquisadores para entender qualitativamente, de quem está produzindo GenAI no país, quais são as barreiras mais urgentes e o que precisa mudar para que o Brasil deixe de ser apenas consumidor e se torne produtor de inteligência artificial.

“A distinção entre usar e construir IA tem implicações diretas para a autonomia, a segurança e a competitividade do país”, afirma Pedro Carneiro, Diretor de Investimentos da ACE Ventures. “Esse report é um retrato de quem decidiu construir, mesmo em um cenário adverso.”

Gargalos estruturais

A principal conclusão do estudo é clara: o Brasil tem potencial técnico, dados relevantes e problemas complexos o bastante para liderar em aplicações especializadas de GenAI. Mas esbarra em gargalos estruturais que dificultam a consolidação de uma indústria nacional de IA generativa.

O mais crítico deles é a escassez de talentos técnicos. Todos os fundadores ouvidos relatam a dificuldade de encontrar profissionais com experiência em treino de modelos, fine-tuning, compressão e orquestração de LLMs. A solução tem sido formar times do zero, recrutando perfis com alta capacidade analítica e treinando internamente.

“Formar é lento, mas é o único caminho. Não tem como esperar encontrar pronto no mercado brasileiro alguém que já treinou modelos e montou arquitetura própria”, comenta Gabriel Renault, fundador da Dharma AI, que desenvolve Small Language Models jurídicos.

Outro desafio central é o acesso limitado à infraestrutura computacional, especialmente GPUs de alto desempenho. Mesmo com o apoio de programas de nuvem de empresas como AWS e NVIDIA, o custo de operação continua alto. “A gente teve que montar tudo em Terraform para não depender de infraestrutura de terceiros”, explica Renault.

Além disso, o estudo aponta uma lacuna entre os produtores de GenAI e os fundos de venture capital brasileiros. Apesar do interesse crescente no tema — 91% dos VCs da América Latina afirmam buscar oportunidades em GenAI, segundo o estudo “The GenAI Impact in Latam” — muitos ainda operam com critérios tradicionais de avaliação, que priorizam tração e escalabilidade rápida. Para tecnologias de base com ciclos longos de maturação, isso se torna um entrave.

“O desafio é que muitas dessas startups não se encaixam nos frameworks clássicos. Mas estão criando propriedade intelectual real. Precisamos aprender a avaliar isso melhor”, afirma Nicole Martinho, da Indicator Capital, uma das entrevistadas do estudo.

Um novo perfil de startup

Entre as empresas mapeadas estão cases como a Neospace, que desenvolve LLMs verticais e arquiteturas proprietárias para o setor bancário; a Meliva.ai, que usa GenAI para automatizar a produção de campanhas de marketing com consistência de marca; e a AICube, que criou agentes autônomos capazes de substituir rotinas manuais em ambientes corporativos.

Essas startups operam com foco em nichos específicos, uso intensivo de dados proprietários e controle sobre a arquitetura técnica, mesmo sem os recursos das big techs. “Nosso modelo está dentro da infraestrutura do banco. A latência é mínima. A privacidade é máxima. A personalização é total”, afirma Felipe Almeida, cofundador da Neospace, que tem como investidor e parceiro estratégico o próprio Itaú.

A pesquisa também mostra que consultoria técnica e provas de conceito pagas são as principais estratégias de monetização adotadas por esses Producers. Em vez de escalar rapidamente com SaaS puro, muitas optam por validar tecnologia com grandes clientes, garantir receita inicial e só depois produzir a solução.

“Você precisa de cliente real e problema real. Sem isso, GenAI vira só slide bonito”, resume Valentina Terranova, da Draper Cygnus, Venture Capital especializada em DeepTechs e negócios em GenAI.

Caminhos possíveis

Para avançar, o estudo sugere a criação de programas de incentivo à infraestrutura de dados, investimento público e privado mais qualificado, e uma aproximação mais efetiva entre academia e mercado. Centros como o CEIA/UFG, com cerca de 800 pessoas alocadas em projetos aplicados de IA, são apontados como referência de integração entre pesquisa e entrega.

“O Brasil não precisa formar 100 PhDs. Precisa formar 10 mil pessoas que saibam aplicar IA de verdade, resolver problemas e construir soluções”, afirma Celso Camilo, fundador do CEIA, citado no estudo.

Ao final, o relatório conclui que o Brasil não precisa competir com os Estados Unidos ou a China na criação de grandes modelos fundacionais. Mas pode se tornar um polo global de aplicações inteligentes, especializadas e culturalmente alinhadas de GenAI — se conseguir destravar os recursos certos. “Construir tecnologia própria é mais difícil. Mas é o que garante autonomia, eficiência e valor real para o país”, finaliza Pedro Carneiro, da ACE.

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Ace Ventures

A ACE Ventures é uma plataforma completa de apoio ao empreendedorismo inovador no Brasil. Fundada em 2012, já realizou mais de 150 investimentos, 32 exits e impactou mais de 4 mil empreendedores. Combinando capital, conhecimento e conexões, a holding atua em frentes complementares: ACE Ventures (investimentos em tecnologia nos estágios pré-seed e seed), ACE Cortex (inovação corporativa, com mais de R$ 4 bilhões gerados em novas receitas e eficiências), Future Dojo (educação corporativa para inovação) e ACE Advisors (boutique de M&A). Em 2023, lançou o ACE Summit, evento anual que reúne os principais players do ecossistema para impulsionar conexões, negócios e transformação no mercado.