IA acelera o futuro… mas quem acelera a energia?

A revolução da inteligência artificial exige energia. O crescimento dos data centers pressiona a infraestrutura elétrica, mas também abre caminho para inovação e eficiência energética.

O avanço exponencial da inteligência artificial está transformando a forma como vivemos, trabalhamos e tomamos decisões, gerando um impacto direto e  crescente sobre a demanda global de energia. Se por um lado a inteligência artificial representa  inovação, produtividade e revolução tecnológica, por outro, exige infraestrutura  elétrica robusta, eficiente e urgente. Afinal, como disse Fatih Birol, diretor  executivo da Agência Internacional de Energia (AIE): “não existe inteligência artificial sem  eletricidade”

Segundo o FMI, os data centers, estruturas responsáveis por processar e  armazenar os gigantescos volumes de dados que alimentam a inteligência artificial consumiram 500 TWh de eletricidade em 2023, o equivalente ao consumo total de países  como Alemanha ou França. E o futuro próximo é ainda mais desafiador: esse  número pode triplicar até 2030, chegando a 1.500 TWh, nível semelhante ao  consumo da Índia inteira, como demonstra o gráfico abaixo. Nos Estados Unidos,  a estimativa é de que os data centers respondam por 8% da demanda elétrica  total até o fim da década, enquanto na Europa o crescimento pode alcançar  50%.

A urgência desse tema motivou, em dezembro, a realização da Conferência  Global sobre Energia e IA da AIE, em Paris, reunindo 500 líderes mundiais representantes de 25 países (incluindo Brasil, Canadá, França, Índia, Japão,  Reino Unido e EUA) e gigantes como AWS, Google, Meta, Microsoft, NVIDIA,  Hitachi e Schneider Electric. A mensagem foi clara: o mundo precisa, com  urgência, preparar sua infraestrutura energética para acompanhar a velocidade  de adoção da IA. 

Mas essa transformação não é apenas um desafio, é também uma oportunidade.  A própria inteligência artificial pode (e já está) contribuindo para aumentar a eficiência energética,  reduzir perdas, prever picos de demanda e impulsionar o uso de fontes  renováveis.

O Brasil na corrida pela energia para IA

O Brasil não está fora desse mapa de transformação. Muito pelo contrário, dados  da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que, entre 2021 e 2023, o  consumo de energia do setor de informação e comunicação triplicou, passando  de 0,51 TWh para 1,62 TWh/ano, puxado, principalmente, pelos data centers. 

Como demonstra o gráfico abaixo: 

Fonte: Anuário Estatístico de Energia Elétrica 20 anos

A estimativa da EPE, presente no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE  2034), é que, até 2037, o consumo dos data centers no país seja equivalente ao  consumo de energia de 25 milhões de pessoas. Só para ter-se uma ideia uma ideia,  segundo Roberto Beauclair, diretor de Tecnologia do Cepel (Centro de Pesquisas  de Energia Elétrica da Eletrobras), um data center de grande porte, de 10 MW,  tem o mesmo consumo, por hora, de uma cidade de 100 mil habitantes. Ou seja: estamos falando de um impacto real e imediato na nossa matriz elétrica  que já precisa ser ampliada, modernizada e mais resiliente. 

Projetos de data centers estão se espalhando com velocidade pelo território  nacional, especialmente em São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará, regiões  que, juntas, devem somar uma carga adicional de 2,5 GW até 2037. Isso sem  contar os investimentos já anunciados por grandes empresas globais de  tecnologia que têm escolhido o Brasil como hub estratégico de armazenamento  e processamento de dados na América Latina. No gráfico abaixo a EPE aponta  os processos de conexão à rede básica em andamento até a data de publicação  desse relatório.

Fonte: Elaboração EPE

Mas não para por aí, a demanda por conexões de data centers à rede é tão  grande que em 27 de junho de 2025 o Ministério de Minas e Energia (MME) já havia recebido mais de 50 novos pedidos. Até maio de 2024, havia 12 projetos  registrados no MME e em pouco mais de um ano, esse número aumentou 330%. O gráfico abaixo atualizado e publicado recentemente pelo governo demonstra a evolução da carga prevista por estado, uma carga adicional ao sistema de  13,2GW até 2035. 

Fonte: Ministério de Minas e Energia

Vale destacar que a realidade da infraestrutura elétrica brasileira ainda é  desafiadora. A própria EPE destaca que, apesar dos avanços, a infraestrutura de  transmissão e distribuição nas regiões com maior demanda por data centers  ainda não acompanha o ritmo das implantações. 

Os gargalos que precisam de atenção: 

Apesar do entusiasmo com os avanços tecnológicos e as perspectivas de  crescimento, a construção de novos data centers e a infraestrutura energética  que os sustenta esbarra em entraves bem conhecidos:

  • Atrasos em processos de licenciamento ambiental e autorizações  operacionais; 
  • Gargalos na cadeia de suprimentos, especialmente em componentes  eletrônicos e equipamentos de alta potência; 
  • Demora na liberação de obras de transmissão, que podem levar até 4  anos para serem concluídas — tempo muito superior ao necessário para  implantar um data center. 

IA: vilã ou aliada da energia?

Essa defasagem entre a liberação da infraestrutura e a demanda crescente é um  ponto crítico. Sem planejamento integrado e políticas públicas eficazes, o Brasil  corre o risco de limitar sua capacidade de atrair investimentos em tecnologia e  inovação.

Apesar do alto consumo, a IA tem mostrado ser uma grande aliada na otimização  energética. Hoje, algoritmos de machine learning já são aplicados em várias  frentes: 

  • Na gestão de redes elétricas, prevendo picos de consumo e reduzindo  perdas; 
  • No agronegócio, com uso inteligente de água, fertilizantes e insumos; 
  • Na indústria, melhorando a eficiência de processos, reduzindo emissões  e ampliando a competitividade. 

Ou seja, a IA consome energia, sim, mas também oferece ferramentas  poderosas para usar melhor os recursos disponíveis e acelerar a transição  energética global. 

Próximos passos: políticas públicas e visão estratégica 

Diante desse cenário, é urgente que o Brasil adote políticas públicas que: 

  • Acelerem a aprovação e liberação de projetos de geração de energia, com  foco em fontes renováveis (solar, eólica, biomassa e hidrelétrica); 
  • Agilizem os trâmites para reforços e expansões de redes de transmissão e  distribuição, especialmente nas regiões com maior concentração de data  centers; 
  • Criem incentivos para tecnologias mais eficientes de resfriamento,  armazenamento e reaproveitamento de calor nos data centers; 
  • Aproveitem o potencial da IA como ferramenta de gestão energética,  permitindo que algoritmos e modelos preditivos contribuam para um sistema  mais inteligente, ágil e sustentável.

Essa é uma oportunidade única de alinhar crescimento econômico,  transformação digital e sustentabilidade. E o momento é agora. O futuro será  cada vez mais conectado, automatizado e intensivo em dados, e só será viável  se a energia vier junto. 

A inteligência artificial acelera o futuro, sim. Mas cabe a nós: sociedade, governos e empresas  acelerar a energia que vai sustentá-lo. 

Adriana Luz

Especialista em Energia e Head Comercial, com formação em Administração e pós-graduação em Administração Estratégica (FIA) e Liderança (FGV). Atualmente cursa MBA em Gestão Comercial. Com 25 anos de experiência no mercado corporativo, atuou nos setores de eventos, financeiro e há quase 20 anos no setor elétrico, sendo referência no mercado livre de energia. Liderou migrações estratégicas de grandes indústrias e comércios. Professora palestrante no IBMEC, mentora na FIESP, líder da Vertical Energia na FIN – Future is Now e membro do conselho.