Ethics by design: transformando ética em vantagem competitiva

Integrar ética ao design não é custo, é estratégia. “Ethics by Design” transforma confiança, transparência e governança em vantagem competitiva sustentável.

Cada decisão de negócio ou de produto carrega implicações éticas, desde a coleta  de dados até a priorização das funcionalidades. Com a ascensão da Inteligência  Artificial (IA), essas escolhas deixaram de ser apenas técnicas para se tornarem  decisões estratégicas de negócio.  

Dos times de produtos até as salas de conselho, existe um desafio diário: como  equilibrar a inovação, o crescimento acelerado e a responsabilidade corporativa?  

Estamos diante de uma era da aceleração algorítmica. Com a Inteligência Artificial  tradicional, generativa e agentes autônomos reescrevendo o time-to-market, a  corrida pela eficiência nunca foi tão frenética, transformando a velocidade em um  novo campo de vantagem competitiva.  

Contudo, nesse espectro, o foco não pode estar unicamente nas funcionalidades  ou na conversão, mas também deve incluir etapas e processos que pensem acerca  da ética, da governança e do impacto de longo prazo.  

A resposta para a nossa pergunta inicial, paradoxalmente, está em um pilar que  muitos ainda veem como custo ou obstáculo: a ética no design dos produtos e  serviços.  

Está na hora de desmistificarmos a ideia de que existe uma escolha dual: ou há  ética ou há conversão. Muito pelo contrário, quando aplicada de forma autêntica e  estratégica, ela se torna o diferencial de mercado, capaz de gerar ROI sustentável,  fortalecer a reputação da marca e proteger contra riscos financeiros e regulatórios.  

Nesse cenário tão dinâmico, em que cada linha de código é uma escolha. E  escolhas têm consequências.  

É necessário se perguntar como líder ou negócio, se a ética e a governança fazem  parte da minha tomada de decisão ou são apenas palavras bonitas em um slide  corporativo? 

Afinal, o que diferencia empresas resilientes daquelas que enfrentam crises de  imagem ou prejuízos financeiros está na capacidade de transformar princípios  éticos em vantagem competitiva.  

Quando ética e governança estão integradas à estratégia corporativa, decisões  difíceis deixam de ser dilemas e passam a gerar valor mensurável.  

Vejamos que não estamos tratando unicamente de falhas técnicas, mas sim de  questões colocadas em terceiro plano de uma decisão, tais como: violações de  privacidade, vieses discriminatórios ou outros efeitos sociais.  

Não precisamos ir muito longe para ver exemplos de decisões que deram errado.  Um clássico de risco ético com impacto estratégico é o caso da Target1.  

A equipe de analytics da marca criou um algoritmo de Business Intelligence que ia  além do óbvio, observando o consumo de apenas 25 produtos da rede (de loções  sem essência a suplementos alimentares) para prever a necessidade de compra de  outros produtos alocados em setores diversos.  

O objetivo era simples: fazer a oferta ideal através do envio de cupons de desconto  ou amostras.  

O que aconteceu em seguida foi uma crise de confiança. Um determinado cliente  começou a receber ofertas de produtos para gravidez e produtos infantis.  

Desconfiado de um envio errado dessas informações, ele foi reclamar na loja, pois  não havia ninguém nessas condições em sua residência. Dias depois, o cliente  retornou, informando que, na verdade, sua filha adolescente estava grávida e ainda  não havia comunicado a família.  

Vejam o algoritmo sabia mais sobre a vida da cliente do que o próprio pai.  

Nesse caso, o algoritmo fez exatamente o que foi programado, a otimização do  marketing, mas gerou uma crise de confiança por violar a autonomia e a  privacidade do usuário de forma inesperada. O prejuízo pode até não ter sido  técnico, mas se tornou uma falha de design ético que feriu a relação de consumo e  a reputação da marca.  

E este é exatamente um dos maiores riscos dos próximos anos, o desalinhamento  entre o que a inteligência artificial pode fazer e o que ela deve fazer.  

Por outro lado, decisões éticas bem estruturadas podem gerar resultados  concretos e positivos.  

A Blinkist2, aplicativo de resumos de livros, enfrentava um desafio crítico: quase  40% das reclamações estavam ligadas a cobranças inesperadas após o fim do  período de teste gratuito.  

Em vez de recorrer a estratégias agressivas de marketing ou de growth, a empresa  optou por outro caminho: a transparência proativa. E passou a enviar lembretes  claros sobre o término do período de teste, garantindo que o usuário tivesse total  controle sobre sua decisão de permanecer ou não na plataforma.  

O resultado foi expressivo: um aumento de 23% nos cadastros de novos usuários e  a redução de 55% nas reclamações.  

Um exemplo concreto de que ética e performance não apenas coexistem, mas se  fortalecem mutuamente.  

E pesquisas recentes de mercado, reforçam essa relevância estratégica da ética,  em que segundo Serasa Experian3, a maioria dos consumidores demonstram  preferência por marcas seguras, onde:  

 86% dos clientes têm preferência por uma marca que comunica e  demonstra segurança;  

 71% escolhem marcas seguras porque se preocupam com fraudes; e  

 6 em cada 10 consumidores estão dispostos a gastar mais em marcas que  garantem a segurança e a privacidade de seus dados pessoais.  

Na prática, isso se traduz em valores tangíveis para o negócio, como a retenção de  clientes, lealdade à marca e vantagem competitiva sustentável.  

Indo diretamente de encontro com a mudança comportamental de consumo  mapeadas pela WGSN para 20274, em que novos perfis de consumidores, como os  chamados Privacy Keepers, buscam ativamente o “silêncio digital” e valorizam  marcas que oferecem controle sobre seu tempo e dados.  

Para esses clientes, a privacidade e a segurança não são funcionalidades  opcionais, mas sim barreiras de entrada e ativos estratégicos.  

Esse conceito, Ethical by design, pouco citado nas mesas de decisões, propõe que  esses temas não sejam tratados separadamente, mas integrados desde a  concepção de produtos e features.  

Isso significa que, no desenvolvimento, as decisões não podem se limitar apenas  ao que é tecnicamente viável ou comercialmente atraente. Desde o início, é preciso  considerar aspectos de governança corporativa, conformidade regulatória e  impactos estratégicos de longo prazo.  

Por exemplo, se um valor central é a autonomia do usuário, os princípios de design  podem incluir transparência, e controle sobre dados. Esses princípios, então,  orientam a criação de funcionalidades que respeitem esses limites, transformando  escolhas éticas em ações práticas.  

Integrar ética e governança ao design não apenas protege o consumidor, mas  também reduz riscos corporativos.  

Ignorar vieses, privacidade ou impactos sociais pode gerar passivos legais, crises  de reputação e perdas financeiras significativas. Em um cenário regulatório cada  vez mais rigoroso, a governança ética deixa de ser opcional: ela se torna um  imperativo de gestão de risco e um ativo estratégico dos negócios.  

As respostas a essas questões criam então um ciclo virtuoso: respeito ao usuário  fortalece confiança, reforça a marca, aumenta retenção e minimiza riscos de crises  ou prejuízos.  

 A ética deixa de ser apenas um valor moral ou tendência passageira e passa a ser  um indicador mensurável de performance corporativa.  

No fim, tudo se resume a escolhas. Cada decisão de produto ou serviço pode ser  um passo para crescimento sustentável ou um risco desnecessário. Quando a ética  e a governança orientam essas escolhas, você não está apenas construindo  tecnologia, está construindo confiança, lealdade e valor de longo prazo. 

1 Charles Duhigg, The New York Times, no artigo “How Companies Learn Your Secrets”, 2012. Link :  https://www.nytimes.com/2012/02/19/magazine/shopping-habits.html
2 Jaycee Day, Blinkist, na palestra “Transparency always wins: how ethical design led to 23% growth”.  Config 2023. Link : https://www.youtube.com/watch?v=mDPrFM3439s  

3 Serasa Experian. Prevenção à Fraude. URL : https://www.serasaexperian.com.br/sala-de imprensa/prevencao-a-fraude/6-em-cada-10-consumidores-pagariam-mais-caro-em-marcas seguras-revela-pesquisa-da-serasa-experian/  4 WSGN. Perfis de Consumidores que moldarão o mercado em 2027. URL :  https://www.wgsn.com/pt/blogs/perfis-de-consumidores-que-moldarao-o-mercado-em-2027

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