Liderança comprometida é o motor para escalar a IA nas empresas

A adoção de IA exige liderança comprometida, foco estratégico e redesenho de processos. Escalar projetos vai além da tecnologia: é transformação organizacional para gerar impacto real.

O lançamento do ChatGPT, em 2022, representou um marco para a inteligência artificial. A partir desse momento, ficou evidente que estávamos diante de uma transformação estrutural com impacto direto em setores produtivos, modelos de negócios e dinâmicas competitivas. No entanto, três anos depois, a realidade é que poucas organizações conseguiram transformar esse potencial em resultados consistentes. A maioria segue presa em um ciclo de experimentação, multiplicando projetos-piloto sem conseguir escalar iniciativas de forma significativa.

Pesquisas da Bain reforçam esse quadro: menos de 20% das empresas avançaram na implementação de iniciativas de inteligência artificial generativa em escala. Essa estagnação ocorre mesmo diante de uma percepção generalizada de que o atraso pode significar perda de vantagem competitiva, ou seja, é um risco estratégico.

O motivo central dessa dificuldade não está na falta de acesso à tecnologia ou na carência de casos de uso. O desafio é mais complexo! Grande parte das companhias encara a inteligência artificial como simples implantação tecnológica, um processo incremental limitado a ganhos pontuais de eficiência, quando na verdade se trata de uma transformação do negócio. O valor surge a partir de um redesenho completo dos processos, utilizando a inteligência artificial como elemento estruturante na forma de atuar no mercado.

Na prática, entretanto, muitas organizações ainda investem em iniciativas isoladas que acabam gerando ganhos marginais, mas não se traduzem em resultados relevantes para o negócio. Ferramentas são apresentadas, demonstrações impressionam, mas a materialização de benefícios nunca acontece em escala. Esse movimento, além de consumir recursos, gera uma ilusão de progresso que mascara a ausência de mudança estrutural.

O problema se agrava diante da velocidade de evolução da tecnologia. A inteligência artificial já ultrapassa o estágio de processamento de texto e caminha para modalidades multimodais, agentes autônomos e interações físicas. O atraso em estruturar estratégias sólidas significa, na prática, abrir espaço para concorrentes que consigam transformar esses avanços em vantagem competitiva.

Para sair da estagnação, o ponto de partida é uma liderança clara e comprometida. Experiências pontuais em equipes podem estimular inovação, mas não têm capacidade de se consolidar em impacto organizacional amplo sem direção vinda da alta gestão. Transformações dessa magnitude exigem que executivos assumam a responsabilidade de definir prioridades, alinhar incentivos e direcionar recursos. Não basta apoiar de forma simbólica. É necessário estabelecer ambições claras, vinculadas à estratégia de negócio, e demonstrar envolvimento direto no uso e na difusão da tecnologia.

Outro aspecto essencial é evitar a dispersão de esforços. A inteligência artificial abre possibilidades quase ilimitadas, mas a tentativa de avançar em múltiplas frentes simultâneas leva à fragmentação. Organizações que conseguem avançar de forma consistente elegem alguns domínios críticos e concentram recursos neles. Em vez de dezenas de pilotos desconexos, trabalham com clusters de casos de uso inter-relacionados, que formam sistemas de trabalho transformados em escala. Essa priorização gera resultados mais tangíveis e acelera a construção de vantagem competitiva.

Ganhos duradouros não vêm da simples automação de etapas existentes, mas do redesenho profundo de processos. A inteligência artificial só gera impacto real quando integrada desde o início, permitindo que fluxos de trabalho sejam repensados com base em novas possibilidades. Essa abordagem requer um exercício de diagnóstico e reconstrução: compreender onde estamos, imaginar como a atividade pode ser desempenhada com apoio da tecnologia e construir novos modelos operacionais a partir dessa visão.

Esse processo não costuma ser simples ou rápido. Exige análise detalhada das rotinas atuais, compreensão das interdependências e disposição para substituir práticas consolidadas. Porém, é justamente essa reconstrução que separa melhorias incrementais de ganhos estruturais. O verdadeiro desafio está em reconfigurar operações inteiras para extrair valor de forma consistente.

Além disso, transformar o negócio por meio da inteligência artificial não pode ser um projeto isolado. Precisa ser incorporado ao modelo de operação da empresa como um movimento contínuo. As organizações mais bem-sucedidas estruturam equipes de transformação com mandato específico para dar visibilidade, remover barreiras e coordenar iniciativas em andamento. Esse grupo não substitui as áreas de negócio, mas atua como facilitador para que mudanças sejam testadas, escaladas e acompanhadas de forma sistemática.

Nesse modelo, surgem duas velocidades de operação. A primeira é a de manter o negócio funcionando com eficiência; a segunda é a de promover mudanças contínuas e planejadas, sempre conectadas a resultados estratégicos. Essa dualidade exige disciplina em seis áreas críticas: redesenho de processos ponta a ponta, mobilização de equipes de solução, gestão e governança de dados, mecanismos de escala, modelos de adoção com feedback constante e fortalecimento da relação entre tecnologia e negócio.

O avanço da inteligência artificial não é um episódio pontual. É uma mudança estrutural que vai redefinir a forma como é gerado valor nas empresas. A questão agora não é mais se a tecnologia deve ser utilizada, mas como competir em um ambiente em que todos os concorrentes também a utilizam. Os negócios que conseguirem transformar a experimentação em execução consistente certamente terão retornos significativos, deixando a concorrência para trás.

O caminho para essa transformação exige clareza de propósito, coragem para concentrar esforços e disciplina para reconstruir processos. O desafio vai além da tecnologia e é, na verdade, um movimento organizacional. Por isso, o risco de permanecer na fase de experimentação é alto. Enquanto alguns acumulam pilotos sem impacto real, outros já começam a consolidar margens maiores e posições mais sólidas em seus mercados.

O tempo de testes sem escala está se esgotando. A transformação com inteligência artificial não é uma opção futura; é uma necessidade imediata para quem deseja competir de forma sustentável nos próximos anos.

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Lucas Brossi

Líder em estratégia de IA com mais de 20 anos de experiência ajudando clientes a alcançar desempenho empresarial extraordinário por meio de Dados e Inteligência Artificial. Atualmente, é Head de IA na Bain & Company, responsável pelas capacidades de Data Science, Machine Learning e IA na América do Sul.